O Segredo de Darwin
O dia amanhecia. A vegetação dançava com a
maestria do vento, que a guiava no céu do Mundo dos Simples. Podia-se ouvir a
música agitada dos pássaros que voavam em bando. Os ursos-pardos iam para os
riachos caçarem peixes, os cervos comiam capim, as borboletas amarelas
enfeitavam o vento e as Grandes-corujas-cinzentas e Corujas-de-Igreja se punham
a dormir.
De dentro de uma árvore saia uma mulher
mágica, como que fundida ao tronco, uma mulher com enfeites de flores nos
cabelos castanhos: Flora saia de seu descanso dentro das árvores. Era assim que
a mulher se camuflava na floresta, fundia-se às árvores. Dessa forma também
conseguia absorver energia mágica da terra, energia necessária para suas
atividades mágicas.
Queria muito se encontrar com Selene
novamente. Não podia tê-lo todas as noites, pois perdas de memórias muito
frequentes iriam causar suspeitas no homem. Mas já fazia alguns dias que não o
possuía e já estava sedenta pelo camponês. Flora era responsável por manter o
equilíbrio da vegetação, além de combater o desmatamento imprudente.
Entretanto, ultimamente, estava empenhada em conquistar aquele homem e dividira
algumas de suas atividades com os duendes, oferecendo-lhes moedas de ouro. Os
duendes eram fascinados por moedas de ouro.
A magia do amor não funcionaria caso Selene
estivesse realmente apaixonado pela morena Carrie. Mas não tinha certeza se ele
a amava realmente, apenas suspeitava. Precisava testar sua tese. Transportou-se
para o vilarejo onde o rapaz trabalhava. Caminhava lentamente a procura do
rapaz. Não o encontrava. Foi até a casa do rapaz. Ainda era cedo e poderia
ainda estar em sua casa de madeira.
Estava próxima da casa do rapaz e precisava
ficar invisível para que ninguém a flagrasse espionando e assim fez. A casa era
de madeira e possuía brechas entre algumas ripas da casa. Aproximou-se de uma
brecha que dava vista para o interior da casa, justamente no quarto de Selene. Ele
estava deitado em sua cama dormindo. Para um camponês, é muito preguiçoso, já
devia estar trabalhando a essa hora. Mas algo estava errado. Ele não estava
deitado sozinho. Selene estava abraçado com outra pessoa em sua cama, uma
mulher morena: Carrie.
Flora ficou extremamente desgostosa do que
via. O alvo de seus desejos deitado com outra mulher. Deu um grito de raiva que
acordou o casal dentro da casa. Ainda bem que não podia ser vista. Selene
levantou-se da cama e se vestiu com pressa, indo até a frente da casa, mas não
avistou ninguém. Flora o fitava de longe. O homem estava sem camisa e com os
cabelos bagunçados.
O Ser de Poder estava furioso. Queria tirar de
seu caminho a plebeia, que já estava conquistando o coração de Selene. A mãe de
Carrie estava doente, vítima das artimanhas de Flora. Agora era a hora perfeita
de matar logo a velha. Mas precisava fazer as coisas com cautela, pois esta
morte poderia aproximar os dois pombinhos ainda mais. Faria com que a moribunda
batesse as botas e ainda tentaria afastar Carrie de Selene com um plano infalível
que há algum tempo maquinara.
Estava determinada a tirar a vida da mãe da
camponesa como primeiro passo de seu plano. Flora foi até a floresta e reuniu
alguns ingredientes, incluindo ervas, cogumelos e animais mortos. A mãe de
Carrie estava sendo tratada, sem muitos resultados, pelo único médico do reino.
O médico, chamado David, possuía alguns ajudantes. Um deles, um menino de uns
quinze anos de idade e que também era seu aprendiz estava encarregado, aquela
tarde de levar remédios para a mãe de Carrie. Estaria levando a morte em
pequenos frascos.
Dentro de uma caverna na Floresta do Sol, Flora
mexia um caldeirão que era esquentado sobre pedras em brasa. Adicionava cada
ingrediente por vez. Em suas mãos tinha um morcego vampiro muito peludo, ainda
vivo e que se debatia. Flora empunhava uma pequena adaga dourada que, apesar de
a tradição mágica proibir de ser usada para ferir, valeu-se para cortar o
pescoço do pequeno mamífero, que deu um pequeno grito agudo, morrendo no exato
momento. O sangue quente escorria entre os dedos de Flora e caia diretamente no
pequeno caldeirão. Agora a feiticeira agitava o líquido viscoso com uma varinha
mágica que possuía um cristal vermelho em sua extremidade superior, pronunciando
palavras mágicas desconhecidas para os humanos.
Flora preparando a Poção da Morte Vampira
Flora foi até o castelo onde podia encontrar o
laboratório de David, que ficava em um dos corredores do edifício real. Foi
invisível, não queria ser vista pelos Simples, mas também tinha que ter
cuidado, pois os Seres de Poder podiam se ver, mesmo estando invisíveis para os
humanos. Para sua sorte, Lua havia saído para cavalgar com sua amiga Linetty e
Sol estava dormindo, se curando do excesso de álcool.
Procurava pelo laboratório de David, estava
com dificuldade de identifica-lo, pois naquele castelo havia tantos corredores
e tantas portas! Andou por mais algum tempo, desviando de alguns empregados e
tomando cuidado para não esbarrar nos objetos de decoração do castelo. Flora já
estava ficando com dor de cabeça, quando viu um rapaz carregando uma bandeja
com pequenos frascos. Pensou ser algum ajudante do médico. Resolveu seguir o
rapaz que andou por mais de três corredores até chegar ao laboratório.
-Senhor David, já levei os remédios para os
cavaleiros que estão resfriados.
-Muito bem jovem – O clínico possuía uma voz
rouca, era um homem já velho -, lave os vidros e os esterilize, por favor.
- Sim senhor. – O rapaz parecia muito
eficiente. Dentro do cômodo, que era muito grande, havia outros jovens, que
preparavam remédios, moíam ervas e liam livros. David estava guiando um rapaz já
adulto – seu sucessor como médico do reino-, no preparo de um remédio que
estava sendo pesquisado, justamente para a mãe de Carrie, que apresentava uma
doença desconhecida.
-Agora vamos adicionar as sementes de laranja moídas
e os talos de abóbora torrados e o boldo. – Os ingredientes estavam sendo assentados
em um vidro escuro que possuía um líquido denso e muito escuro borbulhante.
-Doutor, qual a finalidade da semente de
laranja e dos talos de abóbora? – O rapaz interessado em aprender a ciência da
medicina questionava seu médico. – Nunca usei estes ingredientes para remédios.
-Estes ingredientes possuem agentes ativos que
vão aliviar a febre da mãe de Carrie.
Flora estava interessada naquela conversa, já
que falavam de seu alvo. Esperaria até que o rapaz se distraísse e então
colocaria seu veneno de morte dentro daquela mistura. Seria quase impossível,
pois o rapaz estava muito dedicado àquela mistura. Aquela poção mágica era
chamada Poção da Morte Vampira, pois sugava toda a energia vital da pessoa que
o tomasse em poucas horas, parando seu coração de bater. Era um feitiço que de
Magia Negra, inventado pela própria Flora e, para o azar de Carrie, não possuía
um antídoto.
Na tentativa de uma oportunidade para
concretizar seu plano, Flora foi para fora do laboratório e com um movimento
magico ocasionou uma pequena explosão no corredor, não ferindo ninguém – o que
não era sua preocupação -, mas atraindo todos para fora do consultório,
preocupados e curiosos com o estrondo.
Com cuidado para não trombar nos ajudantes,
entrou no laboratório – ainda invisível-, e adicionou na mistura seu veneno
vermelho, que se misturou ao remédio escuro. Uma morte já estava agendada para
aquela tarde. Em seus lábios Flora já sentia o sabor da vingança contra a
mulher que possuía o coração de Selene. Esperava que tudo desse certo.
Agora precisava dar um jeito em Selene. Carrie
iria ficar fragilizada com a morte de sua mãe e precisava brigar com seu
namorado. Uma mulher fragilizada era o melhor alvo para um homem que a quer
seduzir e era nisso que Flora estava pensando. Conseguiria ela fazer com que a
camponesa xucra fosse seduzida por outro homem?
Perto dali um homem estava caminhando pelos
corredores e conferindo a segurança do castelo. Tratava-se de Darwin. Este subiu
as escadas para verificar com o Rei Sun sobre sua busca por prisioneiros
fugitivos que tinham cruzado os limites do reino. Não encontrava o rei em lugar
nenhum, então subiu até o seu quarto. O rei ainda estava dormindo, ainda nu.
Estava com o sono muito pesado. Sempre que bebia muito, dormia como um urso no
inverno. Selene ficou parado na porta olhando o rei nu, que cobria apenas parte
do corpo.
Flora estava passando por corredores próximos
ao do quarto do rei. Resolveu dar uma volta pelo castelo. Carrie não era a
única pessoa alvo das maldades de Flora. Lua era quem ocupava o cargo de rainha
que a mulher das flores queria tomar, o de rainha – este ser mágico era muito
ambicioso e egoísta. Seria bom matar dois coelhos em uma cajadada só. Apesar de
esta não ser sua preocupação mais urgente – Selene estava nos seus planos mais
próximos -, seria bom estar sempre por dentro dos assuntos do castelo, para uma
investida propícia e derrocada de Lua.
Passava por um corredor praticamente vazio e
não encontrava nem Sol, nem Lua. Viu um cavaleiro entrar em um quarto. Era um
simples e não podia vê-la. Seguiu o homem alto. Conseguiu ver que aquele era o
quarto real, onde Sol estava dormindo. Aproveitou e entrou no quarto antes que
Darwin fechasse a porta com a chave grossa. Ficou invisível em um canto do
quarto, atrás de um guarda-roupa, caso Sol acordasse e a visse. Olhou Sol nu na
cama e se recordou de quando era sua namorada e o amava todas as noites, até
ele se apaixonar por Lua.
Flora estava intrigada com o que via. O homem
se aproximou da cama e ficou por alguns minutos apenas olhando para o corpo do
rei, que estava deitado de barriga para cima. O rapaz sabia que seu rei tinha o
sono pesado. Darwin tirou levemente o lençol de cima do corpo musculoso que
logo se mostrou totalmente despido, exatamente como estava na noite anterior. O
homem agora não era o único a conhecer seu segredo. Um ser mágico ali naquele
quarto, invisível, agora sabia que Darwin era gay e se aproveitava do rei em
seus sonos profundos. Ele passava a mão levemente pelo corpo do rei, com muita
delicadeza.
O homem não se demorou muito. Cobriu o rei
novamente e se levantou, arrumando sua calça, para que não denunciasse sua ereção,
e saiu do quarto. Flora permaneceu ali mais alguns minutos enquanto raciocinava
sobre oque tinha visto. Novas ideias malévolas surgiam em sua mente.
Dayvid Fernandes - O Autor
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