terça-feira, 2 de julho de 2013

Capítulo 5 - No fundo do lago

No fundo do lago
O reino todo estava esperando pela volta do rei e da nova rainha, que haveria de passar pela cerimônia de posse e benção do padre.  Nos campos verdes era possível avistar a carruagem de Lua e Sol. Uma carruagem de ouro. Sol era muito exigente quanto às suas riquezas e tudo o que possuía era sempre adornado por alguma pedra preciosa ou metal raro. 

Uma multidão de gente estava esperando o casal real nos portões do castelo. Lançavam pétalas de flores e desejavam felicidade e vida longa ao rei e à rainha.

-Viva o Rei e a Rainha! Viva! -O povo realmente parecia feliz.

No meio daquela multidão Lua conseguiu enxergar uma mulher com seios fartos e decote exuberante em um vestido escuro de camponesa. Seus olhos arregalaram ao vê-la. Flora olhava firmemente nos olhos da rainha Luna e em sua mente lançava toda sorte de maldições, desejando-lhe todo o mal.

Inconscientemente Lua apertou firme o braço de Sol, que estava acenando ao povo.

-O que há Luna, algo te incomoda? – Sol continuava sorrindo para o povo.

- Não, me desculpe, não é nada. – Sua voz baixa e preocupada a delatava.

O casal acenava e sorria para o povo, que lançava pétalas e flores sobre o caminha da carruagem. A rainha olhou para trás e lá estava ela, tinha certeza! Era Flora que estava ali com um sorriso malfazejo em seu rosto. O povo gritava de felicidade pela rainha.

A cerimônia de posse não demorou muito. Lua estava muito feliz, já que iria ajudar o povo plebeu. Foi coroada com sua coroa de ouro e pedras preciosas. No salão do Trono muitas pessoas sorriam para a rainha.

Ao término ouve um grande almoço real. Reis, rainhas, príncipes, nobres e pessoas de cargos importantes de todas as redondezas estavam naquela festa, e traziam consigo presentes como perfumes, joias etc. Lua não ligava muito para presentes. Ela se doava mais do que gostava de receber. Não saia de sua cabeça a imagem daquela víbora psicopata. O que Flora ainda estava fazendo em seu reino? O que estaria ela planejando? Flora não fora convidada para o casamento, mas mesmo assim apareceu e ainda trouxe consigo barris de vinho. Era bem provável que eles estivessem envenenados. Flora gostava de trabalhar em surdina, não seria capaz de um escândalo desses.

Todos os nobres se reuniram em uma enorme sala. Uma mesa gigante se colocava ao centro do lugar. Janelas se colocavam ao alto do salão. A mesa era tão grande que dispunha de aproximadamente cinquenta acentos macios. Os nobres de outros reinos admiravam a beleza e riqueza do castelo do rei anfitrião. Havia muita comida e muito vinho, a principal bebida dos nobres naquele reino. Os criados se colocavam ao redor da sala, sempre prontos a repor os alimentos na mesa e repor as bebidas nas taças de seus senhores.

-E então Majestade Sun, está feliz com o seu casamento? – um príncipe do Reino do Sul sorria enquanto bebia uma taça de vinho tinto.

-Estou muito feliz! Eu amo minha esposa. Sei que não é costume dos nobres, este tipo de casamento. Mas Luna me encantou desde o primeiro dia que a vi e pretendo fazer de tudo para que ela seja feliz. – Rei Sun falava com voz firme enquanto se dirigia a todos os convidados.

-Eu serei uma ótima rainha– com sua graciosidade a rainha Luna falava de pé-, e honrarei a casa de meu marido, o rei Sun. Serei uma ótima rainha para meu povo. Proponho um brinde para o Reino do Sol!

Todos se levantaram com suas taças de prata e brindaram! A comilança e bebedeira prosseguiu a tarde inteira. A maioria dos homens ficou à mesa bebendo vinho e conversando sobre mulheres, guerras e impostos, enquanto as mulheres se reuniram em outra sala para beber os chás preparados com ervas do campo. Era uma sala redonda com as paredes lotadas de janelas grandes com vidros coloridos. Ao seu centro uma mesa, também redonda era circulada por várias cadeiras estofadas no tom vermelho e de espaldar alto.

- Rainha Luna. O povo plebeu deve estar muito instigado por ter uma plebeia no trono! – A Rainha Bethany, do Reino do Oeste falava em tom irônico.

Lua amava os humanos, mas simplesmente não suportava alguns deles, principalmente os nobres e clérigos, que geralmente se achavam superiores.

-A nobreza está no coração de quem a possui, rainha. - Sorriu falando, enquanto levava a sua pequena xícara à boca.

Bethany levantou as sobrancelhas, porquanto não acreditava que uma simples plebeia possuía aquela sabedoria. As outras rainhas deram risinhos, pois de todas elas, a mais insuportável era aquela rainha mesquinha.

-Vejo que você é uma mulher muito sábia – Susie, rainha do Oeste falava -, espero que seu rei aproveite esta sabedoria para governas este reino. Ela acenou e pediu que uma das criadas que estava na sala enche-se novamente sua xícara, mas dessa vez com outro tipo de chá.

-Eu também espero. – E sorriu para todas as rainhas naquela sala, que passavam de cinco. Lua era a mais nova delas e também a mais encantadora. Era invejada pelas outras rainhas, pois era bela, jovem, sábia e muito bem educada por ser uma plebeia, sem contar que seria a mais rica. O Reino do Sol era o mais rico de todos. Lua quis mais chá, mas encheu por si mesma a sua xícara.

Mais tarde, Luna já estava se cansando daquela ladainha fútil que as outras rainhas conversavam e então resolveu pegar um cavalo e ir cavalgar pela floresta.

-A senhora vai sair milady? – o jovem cuidador dos cavalos dizia – Quer que eu lhe arranje um guarda?

O estaleiro do rei era imenso, possuía centenas de cavalo. Cavalos de guerra, cavalos de passeio, cavalos para jogos. As melhores raças. Eram todos bem tratados e fortes.

- Não será necessário meu jovem. – Lua falava em tom agradável com o jovem.

- A senhora tem certeza? – Ele estava desconfiado.

-Tenho sim meu jovem. Pegue essas moedas de ouro e não diga a ninguém que saí, está ok?

-Sim claro. E a propósito, a majestade está muito linda, como sempre.

Lua vestida um vestido de cor clara, próxima ao verde e exalava um cheiro de mirra muito agradável que encantava a todos.

- Obrigada pelo elogio jovem. Até mais! – E cavalgou muito rápido, parecia voar montada no cavalo.

Foi-se pelos portões de trás do castelo, não queria ser vista por todos. Aquele era um dia de festança e todos esperavam que ela estivesse na comemoração, recepcionando os outros nobres. Lua não os suportava. Estava começando a sentir saudades da simplicidade que tinha quando vivia com o povo do campo, de quando lia lendas nórdicas para as crianças pobres, de quando ensinava as moças mais jovens a costurar, de quando se disfarçava de homem para ir às batalhas e salvar vidas, de quando fazia remédios com ervas e outras especiarias para os velhos e doentes. Era praticamente uma curandeira no seu vilarejo.

O vento soprava forte aquele dia. Cavalgou por um caminho que era seguido por muitas árvores com flores na cor amarela. Mais alguns minutos e adentrou na Floresta do Sol e se alegrou com o verde das árvores e com o amarelo e laranja das folhas de algumas espécies de árvores e com o colorido das poucas flores que encontrava hora ou outra. O sol ainda brilhava no céu e a rainha raciocinou que deveria voltar antes do anoitecer, para que não sentissem sua falta. No castelo os homens ainda bebiam e o rei Sun provavelmente desmaiaria bêbado e seria levado para a cama pelos serviçais. Sol era um beberrão.

Desceu de seu cavalo marrom e acariciou-o no rosto e conversou um pouco com ele, seu poder era maravilhoso e até os animais se sentiam bem na sua presença.

- Eu não sei como você consegue passar a vida inteira carregando em suas costas largas este bando de nobres gordos e altivos. Desculpe-me por montar em você criaturinha linda!

O cavalo pousara sua cabeça no ombro de Lua, parecia entender as suas palavras. Ela trançava os dedos na clina do cavalo enquanto cantava uma canção antiga, que acalmou o animal. Quando terminou de cantar aquela musica mágica, o cavalo já estava deitado no chão e dormia. Ao se virar, notou que ao seu redor, nos galhos de arvores e no chão os pequenos e médios animais, como alces, esquilos e pássaros estavam todos a admirando. Lua riu.

A lady tomou um rumo entre as árvores e adentrou o bosque, não cantava mais, apenas cantarolava com a voz baixa, não queria chamar a atenção dos animais. Colheu alguns frutos e os colocara na sexta que trouxera. Não colheu as flores, ela não gostava de recolhê-las: o amor pelas flores estava em admirá-las e não e possuí-las. Em colher uma flor, ela morre.

Caminhou pela floresta até que encontrou um pequeno lago. Despiu-se totalmente de suas roupas e entrou ao lago. Sem querer deixou as frutas caírem dentro da água, não se importou muito. A água estava morna, ela gostou. O lugar era todo rodeado por árvores e as borboletas voavam sobre o rio. Lua mergulhou na água e desceu até o fundo da água. Com seus poderes mágicos prendeu a respiração e assim não precisou subir para respirar novamente. Abriu os olhos e passou a observar aquele bioma aquático. Havia alguns peixinhos acinzentados e outros um pouco coloridos. Aquelas águas eram muito claras e azuladas, uma maravilha da natureza.

As correntes de água acariciavam a pele de Lua. Ela começou a se conectar com a natureza e se sentiu completa, a deusa da lua adorava nadar, ela adorava os rios e o mar. Fechara os olhos naquela conexão e sentia a energia positiva fluir da água para si e energia negativa indo embora.

Lua nadava por toda a extensão do lago e, se não fosse sua forma humana, se poderia dizer que era um peixe, ou uma sereia. A ex-plebeia começara a sentir algo que, inexplicavelmente nunca havia sentido. Sentia uma conexão muito forte entre ela e aquelas águas, como se fosse a própria água, como se fosse parte integrante daquele lago. Lembrou-se do panteísmo, filosofia que considera cada indivíduo como parte de um todo, um todo que é a natureza, um todo que é o todo divino.

Parou de nadar. Sentou-se no fundo do lago na posição de lótus e ali ficou por uns dez minutos a explorar aquela coisa boa de que, em seus bilhões de anos, nunca tinha sentido. Seu corpo começou a emitir luz própria e agora ela era uma mulher de luz prateada. Seu corpo estava se transformando em energia pura, toda sua massa humana estava se transformando em energia. Aquela luz se espalhou pelo lago todo e ele parecia uma cratera de luz. A energia concentrou-se novamente no mesmo espaço e Luna voltou à forma humana.

Aquilo foi lindo. O riacho agora estava mais puro do que antes e os peixes mais saudáveis, livre de todas as enfermidades. Aquela água agora era mágica e presentearia com boa saúde aqueles que dela provassem ou nela sobrenadassem.

Lua se preocupou, porque não devia ser vista por nenhum humano em seus atos mágicos. Abriu os olhos, ainda dentro da água e olhou para cima. No alto da superfície viu uma imagem de homem. Será que ele a tinha visto transformando-se em luz? Em menos de um segundo ela viu aquele homem retirando sua camisa e sua calça e pulando na água. No próximo segundo ela se sentiu agarrada por braços grossos e sendo levada para a o alto do lago.

Quem era aquele homem branco e forte e nu que a segurava? Seus cabelos estavam na altura do ombro. Sua barba estava por fazer. Olhos azuis e profundos como nenhum outro. Seu corpo era todo esculpido, como só um membro do exército real teria. Lua olhou para sua cintura e pôde ver o “órgão de baixo” homem. Sentiu-se excitada, mas conteve-se educadamente. Mas que homem é esse que não usava roupas de baixo?

- Você está bem? Hey! Fala comigo! – O homem de voz suave como a brisa do mar, mas mesmo assim muito preocupado, olhava fixamente para o rosto da donzela e aproximava-se de seu nariz para ouvir sua respiração- Você está me ouvindo?

Lua estava paralisada diante de tanta beleza. Os braços do forte cavalheiro as circundavam pela cintura e ela deitava-se em seu colo, próxima à linha da cintura, e olhava para cima e admirando aquele rosto másculo, pele perfeita. Nem parecia a pele de um humano.

-Por que você está sorrindo, rainha Luna? – Ele a conhecia muito bem.

-Me desculpe Mar, é que eu estava meditando e às vezes fico meio desligada. – Na verdade ela estava anestesiada pelo poder de encanto do rei dos mares, o Mar. Um homem belo, charmoso, sereno e muito sensual. Em muitas culturas ele era cultuado como o deus Netuno ou Posseidon. Mas ele não era um deus e nem queria ser. Era um benfeitor dos humanos.


Lua na Beira do lago


- Você me assustou. Eu estava passando pelas redondezas para checar a pureza dos lagos e vi uma mulher no fundo da água. Não tinha noção que era você.

- Você bem sabe que nós podemos ficar de baixo da água sem respirar. – Ela ainda sorria.

-Eu não sabia que era você. Mas, e a propósito, você está nua. – Mar virara o rosto para o lado para não ficar encarando o corpo da mulher. Levantou-se rapidamente e vestiu sua calça preta. Lua não parava de olhar cada movimento dele - Você não vai se trocar?

Só agora Lua se dera conta de que ainda estava sem roupas, não estava prestando atenção no que Mar dizia, atentava-se apenas ao seu corpo. Pulou novamente na água. Suas roupas estavam do outro lado da margem.

-Você pode pegar minhas roupas, fazendo favor?  - Ela estava muito envergonhada. Era casada, não podia se entregar assim aos prazeres carnais, mesmo sendo divinos e concedidos pela Deusa.

Mar, pelo contrário, ria sem parar, ele não conseguia não rir. Era um homem muito bem humorado.

- Pego sim. Mas não se preocupe, eu não fiquei te olhando.

Ao entregar as roupas para a agora rainha do Reino do Sol na Terra, virara-se de costas enquanto ela saia do lago e apanhava as roupas para se vestir, mesmo molhada.

- Como vai o casamento com o Sol? – Ele falava de costas- Eu adorei a festa de vocês, havia muita comida, bebida. Você estava linda.

Mesmo de costas, Mar podia usar seus poderes mágicos para ver tudo o que queria. Enquanto conversava com Lua, fechou os olhos e visualizou em sua mente aquela linda mulher a se vestir. Viu que as curvas dela eram perfeitas. Possuía uma cintura fina e coxas grossas. Seus seios, apesar de não serem tão fartos como os de Flora, eram exuberantes e muito belos, sendo atração para qualquer homem. Viu sua virilha lisa, “a caixinha de joias” como diziam alguns homens bêbados. Em sua mente ele ria, pois achava a situação engraçada. Ele também a desejava, mas ela era uma mulher comprometida, tanto no Mundo Mágico como no Mundo dos Simples. Devia se contentar.

- Ah! Vai bem obrigado. – Lua não falara a verdade – Estou pronta, pode se virar. – Ele se virou para falar de frente com ela – Obrigado pelo elogio. Todas as roupas cerimoniais foram tecidas pela nossa melhor alfaiata e nossa comida foi muito dedicadamente preparada pelos melhores cozinheiros do reino.

- Bem percebi. Estava tudo muito bom – os olhos azuis de Mar se chocavam com os de Lua enquanto eles dialogavam – e todos gostaram. Onde passou a sua segunda lua de mel, Lua? – aquela frase soou engraçada.

- Fomos para o Reino do Sol no Mundo Mágico.

Os dois se puseram a caminhar. Conversavam e se relembravam dos velhos tempos, quando muitos humanos ainda criam que eles eram deuses, e os serviam. Ainda naquela época, alguns poucos ainda tinham essas práticas mágicas antigas, mas eram poucos, estavam sendo caçados, principalmente as bruxas e bruxos, que não eram pessoas más. Os Seres de Poder, por piedade, ajudavam quem os clamava nos rituais mágicos.

- Bons tempos, Lua! Eu adorava ser chamado de Posseidon pelos gregos. – Mar dizia para sua amiga dos velhos tempos.

- Verdade. As minhas representações lunares ainda têm alguns seguidores. Porém eu não me preocupo com isso, nunca me preocupei.

-Sempre muito amorosa com os humanos... Digna de uma deusa!

- Não blasfeme assim, Posseidon! – Lua disse, e caíram na gargalhada.

Os dois riam como amigos que se conheciam há anos. Bom, eles se conheciam há milênios, mas nunca foram tão próximos. Eles se sentaram no meio do bosque que ainda estava sendo iluminado pelo sol que, em poucas horas estaria se pondo.

- O que você tem feito Lua? – Mar puxava conversa com aquela linda dama.

-Ah... O de sempre. Tenho realizado meus rituais lunares para mudança de fase da lua, tenho variado o brilho dela, influenciado na colheita, vegetação, vida na Terra etc. E você? – Lua estava interessada, nunca tinha parado para ter essa conversa com aquele simpático homem – O que tem feito?

- O de sempre. – Ele olhava para baixo quando respondeu, e levantou a cabeça e fitou-a com seus olhos azuis. Dentro daquele olhar parecia haver um oceano inteiro de imensidão.

- O de sempre, o quê? Perdoe-me, eu nunca parei para refletir o que você faz, na verdade eu nunca parei para pensar em...

- Em mim? – Agora ele estava um pouco mais sério. Mas não uma seriedade ruim.

-Não... É que... – A rainha se encabulou um pouco.

- Tudo bem. Temos bilhões de anos, mas eu compreendo que você não me conheçadireito. Você esteve sempre tão envolvida com os humanos, se doando tanto que nunca parou para pensar em outra coisa.

Lua não respondeu, apenas olhou para Mar, ele se mostrava tão compreensivo. Seu rosto corava e um sorriso esboçou.

- Talvez você precise me conhecer um pouco mais. Venha! – o homem aquático segurou sua mão e puxou-a para o voo.

-Aonde vamos? – Lua gostou da ideia.

– Você verá. - E piscou

Em um segundo ambos estavam invisíveis. Com um pequeno salto estavam voando sobre a floresta. Lua não estava acostumada a fazer aquilo. Estava habituada a agir como os humanos, estar entre eles, acostumada em ser eles. Olhou para baixo e viu o imenso carpete de copas de árvores em tons de verde. Via alguns pássaros voando mais abaixo. Tudo estava lindo até que...

-Ai! – Luna fora atingida por um pássaro preto bem no alto de sua cabeça. Viu algumas penas voando e o pássaro caindo, logo abaixo dela.

- Esqueci que estamos invisíveis, precisamos ter mais cuidado. – Mar alertou-a – Onde você esta indo? – Ficou sem resposta.

Lua descia em espiral na direção do pássaro preto que caia. Ela estava aflita de que ele tivesse se machucado. Mesmo com sua cabeça latejando de dor pela pancada, ainda pensava na dor do pequeno pássaro. Rapidamente conseguiu apanhá-lo. Subiu no voo para o lado de Mar. O pássaro estava apenas desmaiado.

Continuaram voando por um pouco de tempo. Conversavam pouco, apenas se observavam. Seus olhos é que conversavam, se falavam por sorrisos e piscadelas. O rei dos mares observava como o vento soprava nos cabelos loiros da realeza da lua. Era como aquela cena do filme Titanic, ela estava simplesmente linda. Seu vestido esvoaçava-se no vento e em algumas ocasiões conseguia flagrar as coxas torneadas da mulher que voava ao seu lado. Ela segurava o pássaro preto em seus braços. Ele não entendia por que ela ainda o abraçava, bastava-lhe fazer um feitiço de cura e estaria curado. Mas logo ele entenderia que Lua, mais do que curar o pássaro da dor que sentiu pelo baque, queria compartilhar com o pobre animal um pouco de carinho, como forma de perdão por atingir-lhe.

Lua também observava Mar. Era até engraçado e ria de vez em quando. O rei das águas devia levar-lhe para mergulhar e não para voar, parecia meio irônica a situação. Ela não entendia por que ele estava voando com ela. Olhava para ele e via seu cabelo escuro balançar em seu ombro. Conseguia sentir seu cheiro amadeirado, provavelmente algum perfume vindo do campo. Não, o Mar não tinha cheiro de peixe, pelo contrário, era um homem muito cheiroso e vaidoso. Principalmente quando estava passando pelo Mundo dos Simples. Apesar de que não caminhava por terra com muita frequência, passava a maior parte do tempo sob o mar ou sobrevoando-o, protegendo as baleias da caça. Pobres baleias. Era uma raridade esbarrar com ele andando por ai.

Os dois amigos desceram no alto de uma montanha que Mar indicara. A “veterinária de coração” segurava o pássaro entre seus braços. Seu vestido verde claro já estava seco. Sentaram-se na beira de um penhasco. Lá em baixo havia o mar: eles sobrevoaram uma boa parte da região. Podiam teleportar-se, mas preferiram voar, queriam passar um tempo junto para conhecer-se, como amigos, é claro.

-E então, por que me trouxe aqui nesta montanha? Achei que me levaria para o fundo do mar. – Lua dava um beijinho no bico do pássaro preto que já estava acordado pelo efeito do beijo mágico.

- Eu quero te mostrar o mar, a minha casa, daqui de cima. Gosto muito desta visão. Parece não ter fim – Ele esticara um dos braços e apontara para o grande oceano.

- Sua casa? Mas que interessante.

- Sim, eu passo a maior parte do tempo lá em baixo, quando não estou sobrevoando a imensidão das águas. – Ele falava com orgulho.

-Mas e o seu Reino no Mundo Mágico?

- Eu quase não vou lá. Na verdade quem fica mais no meu castelo azul são as sereias. – As sereias de verdade têm pernas sim, quando querem e enganam a muitos homens e mulheres quando querem manter relações sexuais. São aquelas mulheres que você só encontra uma vez na vida e tem a sua melhor noite de prazer e paixão. Aquelas lindas mulheres que na manhã seguinte terão desaparecido e, levado consigo a sua esperança de encontrar uma mulher tão boa quanto elas. Mas você poderá vê-las novamente, em seus sonhos.

- Pelo jeito você gosta mesmo do que faz. Não é em vão que te chamam de homem peixe! – Ambos riram. - O que você faz exatamente? – Lua ainda estava curiosa.

- Eu salvo os animais dos homens e salvo os homens da fome. Mantenha a vida da maneira que me é possível.

-Conte-me mais sobre isso – Lua se confundiu um pouco.

- Eu sustento o ecossistema aquático em funcionamento. – Mar ficara de pé enquanto falava sobre seus afazeres e Lua fitava-o atentamente – Acontece que os homens precisam comer e também comem peixe. Nem todos têm a benção de serem vegetarianos. Mas eu também protejo os peixes e outros animais da carnificina.

- E como você faz isso? – Lua estava achando aquele diálogo interessante.

- Quando os pequenos, médios e grandes barcos lançam suas redes, sou eu quem conduz os cardumes de peixe para as redes, mas de forma apropriada. Eu não permito que os homens abusem da natureza marinha.

-Você os leva para a morte?

- Eu não vejo assim. A natureza tem um ciclo natural, e sou eu que balanceio isto em tudo que é concernente ao mundo dos mares e rios. Fico muito triste em ter que virar alguns barcos cujos donos querem extrapolar em sua “cota” de pesca.

- Realmente... – Lua se entristeceu um pouco e acariciou o pássaro preto que estava em seu colo. Ele estava gostando daquele carinho.

- Eu faço mais! Ajudo os animais a se procriarem! – Mar se sentou novamente do lado de Lua, só que dessa vez mais próximo a ela. Lua achou aquilo um pouco estranho- Na época do acasalamento de cada espécie, inclusive de pinguins, leões-marinhos e baleias, eu os conduzo para as regiões mais apropriadas para este objetivo. Ou você achou que os animais se guiavam pelas estrelas para encontrar terras distantes para a procriação! Teriam eles bússola?

- Eu imaginava que você tinha alguma coisa a ver com isso. – Lua olhava para o horizonte.

-Eu conduzo as pequenas tartarugas para o mar da praia, mas nem todas sobrevivem. Eu tenho as mãos atadas quando tenho que deixar o ciclo da natureza acontecer.

-Você é quase um ecologista! – Lua olhava para o pequeno voador de penas. – Você tem muito trabalho a fazer, Mar, pelo jeito!

-Tenho sim – Mar olhava para o longe – e esta noite terei que salvar umas baleias que estão passando perto da costa. Você não quer me ajudar?

- Sinto muito, mas não posso. Creio que à esta hora – o sol estava se pondo - a festa no castelo deve estar terminando e, meu marido vai notar minha ausência. Seria grosseria eu não estar na minha própria festa.

- Ele não sabe que você está aqui? – Mar perguntou curioso.

- Não, eu saí escondida. Não suporto os nobres e toda aquela bajulação! – Lua realmente não gostava de bajulações falsas.

-Bom, é uma pena, eu estava gostando muito de conversar com você.

-Eu também, mas creio que Sol estará bêbado e ficará zangado se eu não voltar a tempo para despedir-me dos outros reis e nobres de sangue azul. – ela fez cara de nojo - Afinal, estão festejando minha coroação como Rainha do Reino do Sol, aqui na Terra. – Lua não parecia muito entusiasmada.

-É... Realmente você deve estar lá. Isto é, se você realmente quiser! – Ele se aproximou um pouco de Luna para falar-lhe - Nunca faça nada contra sua própria vontade. – O cavalheiro das águas lhe aconselhava em voz baixa.

- Eu sei, mas não quero brigar mais com o Sol!- Lua parecia um pouco triste agora.

- Você quer conversar sobre isso? – Ele realmente era um homem muito gentil.

- Não, obrigado... Eu realmente preciso ir.

- Ok, mas antes de você partir, quero te dar uma coisa.

Mar tirou do bolso de sua calça justa um colar simples. Era um cordão prateado com uma concha afunilada como pingente.

- Toda vez que você quiser me ver ou precisar de minha ajuda, aperte esta conchinha com firmeza e pense em mim que eu aparecerei. – E entregou aquele amuleto nas mãos de sua nova “amiga”, que olhava seu novo amigo com muito apreço.

-Muito obrigado Mar, você é realmente um homem de grande distinção. Mas eu sou um Ser de Poder muito forte e sei me cuidar. Estou em um corpo feminino... Entretanto sou forte! Agradeço por sua gentileza, seremos bons amigos.

Lua virou-se e foi até outro ponto da montanha. Guardou o colar entre os seios e levantou o pássaro preto ao alto. O pássaro voou para muito alto e se foi. A mulher de vestido longo e cabelos lisos olhou para traz com sua feição doce e acenou para Mar. Em seguida ela já não estava mais ali. Havia se transportado.

Mar pulou do penhasco para dentro do Oceano. Enquanto nadava no fundo do Oceano e se desviava dos animais aquáticos, pensava em como gostara de conhecer Lua mais de perto. Já a tinha visto em seu casamento e se encontrara com ela algumas vezes, mas nada tão próximo assim. Naquele dia, a primeira vez que a encontrou informalmente, ela estava nua: bom começo, ele pensou! Nunca pensou que a veria tão desnuda daquela forma, ela era uma mulher lindíssima. O cheiro adocicado da mulher ainda estava gravado em sua mente. Não, ele não estava apaixonado, não podia estar. Mas sua fascinação pela lua, o satélite natural, era antiga. Toda noite a via pôr-se, enquanto o dia nascia. Preferia a lua ao sol. A lua era serena e tinha uma luz clara e prateada, era mansa, como ele. Mar estava disposto a continuar vendo Lua. Sabia que ela tinha compromisso com outro homem, mas não custava nada serem amigos. Estava decidido.

Dayvid Fernandes - O Autor
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