Mentindo
para si mesma
-Olá novamente. – Disse a rainha para o
zelador dos cavalos ao chegar a estribaria, vinda de sua escapadinha no meio de
sua festa de coroação.
-Olá alteza – o rapaz foi receptivo, afinal,
estava falando com sua rainha -, vejo que se demorou no passeio. Algo deu
errado? Eu devia ter mandado os seguranças te acompanhar. Perdoe-me.
- Orson, eu realmente não precisei de guardas
– ela gostava de tratar seus empregados pelo nome, ao invés de considera-los
apenas subordinados -, eu sou uma mulher forte. Você me conhece desde que eu
era uma plebeia. Não precisa temer a minha presença. Nunca me esquecerei de onde
vim.
- Obrigado, rainha Luna.
- Você pode me chamar de Luna, apenas Luna. –
E sorriu. Ela era realmente encantadora. Não havia pessoa que não ficasse cativada
em sua presença e era por isso que era amada pelo povo, mas era também por isso
que Flora a odiava tanto: inveja.
O sol estava quase se pondo. A festa ainda
estava acontecendo? Será que os convidados e, pior, seu marido, o rei, haviam
notado a sua falta?
-Escute Orson. – Luna, inquiriu novamente o
zelador.
-Sim rainha Luna, ops... Sim, Luna. – O rapaz
deu um sorriso envergonhado.
- Você sabe se os convidados já se foram? –
Ela demonstrava estar um pouco preocupada, não queria arrumar encrencas com o
rei.
-Não tenho certeza, mas acho que ainda estão
no castelo lady Luna. Não penso que se irão embora hoje. Como bem deve saber, é
costume que passem a noite no castelo.
-Muito obrigado pela informação meu bom rapaz.
– E pôs-se a retirar alguns fiapos de grama e gravetos que se prenderam em seu
vestido verde claro. Agora sua roupa não estava mais tão bem arrumada se
comparada ao momento de quando saiu a cavalgar.
Despediu-se do rapaz que guardava o cavalo e
alimentava-o. Correu para o castelo o mais rápido que pode sem que ninguém a
notasse, passando por trás de caixas e cavalos no meio das vielas. Cruzou o
pátio central, onde havia a escadaria do enorme castelo e contornou por trás
deste, entrando pela porta dos empregados. Sem prestar muita atenção à sua
frente, esbarrou-se com Linetty, uma serviçal conhecida de Lua, caindo ambas no
chão e derrubando as taças de cristal, que esta carregava em uma bandeja de
prata. Foi uma barulheira daquelas. Era a ocasião perfeita para Lua pedir
outras roupas para se vestir. Mas não precisaria mentir muito: Linetty e Luna
eram amigas há muito tempo.
- Me desculpe. – a criada, vestindo
seus trajes de serviçal do castelo, estava realmente envergonhada, até notar
que era a rainha com quem havia esbarrado.
- Mas não é nada, sou eu, Linetty.
-Ah! Mas mesmo assim lhe devo desculpas. Mas
você estava correndo? Parece que está se escondendo de alguém.
As duas conheciam-se mesmo antes de a plebeia
se tornar rainha. Ambas costumavam sair para cavalgar juntas e se metiam em
travessuras juntas. Esta foi a primeira amiga que Lua fez ao chegar naquele
reino. Assim que se casou e se tornou rainha, prometeu à amiga que a tornaria
sua serva, apenas para poderem ficar juntas por mais tempo. Linetty era uma
pessoa muito carismática e divertida, fazia Lua rir sempre. As duas eram boas
amigas.
- Olha Linety, não posso te explicar agora, eu
estava apenas dando um passeio. Mas me arrume um vestido limpo, este está sujo
por causa do tombo que tivemos. – E riu de maneira dissimulada.
- Já volto, então. Vou buscar em seu quarto. Que
tipo de vestido você prefere?
-Me traga um vestido de recepção de
convidados. Vá correndo. – Lua falou baixo para não ser ouvida.
A criada real subiu as escadas, muito rápido.
O castelo já estava escurecendo e então, pegou uma lamparina que estava
pendurada em uma parede dos corredores. Correu para o quarto da rainha. Ao
entrar no quarto, viu que o chão estava molhado, perto da janela. Ficou curiosa
sobre isso, mas ignorou o fato, sua amiga estava precisando daquele vestido com
pressa. Fechou a janela, mais tarde voltaria para secar aquilo.
-Aqui está, Luna. – enquanto ajudava sua amiga
a vestir o vestido na cor bordô, que recaía sobre o corpo da rainha ressaltando
cada curva, tornando-a mais linda ainda e valorizando seu busto, Linety
questionou-a. - Você deu uma escapadinha para cavalgar não é mesmo?
- Sim... Aqueles reis e rainhas estavam me
deixando entediada.
-Mas nem me chamou, amiga! – Luna e Linetty
tinham uma relação muito próxima e qualquer um estranharia o jeito que a criada
falava à sua rainha, mas elas não, pois eram quase irmãs.
- Me desculpe, foi meio de repente. Prometo
que saímos juntas na próxima vez. – Ela olhou para a amiga e lhe deu um abraço
e um beijo no rosto claro, onde caíam alguns fios loiros de cabelo. – Me diga,
os convidados ainda estão ai?
- Estão sim. Mas vão embora somente amanhã. Você
não sabe disso?
- Eu esqueci... Obrigado Linety. Ah, pode
preparar um banho para mim? Sei que quase nunca peço, mas hoje estou um pouco
cansada.
-Sim, queer! – E ambas riram.
Lua retirou-se e passou ao próximo salão, que
já estava com as lamparinas acesas, já que a noite caía. Ao passo que
caminhava, terminava de ajeitar seu vestido que a deixava mais linda e
contrastava com sua pele branca. Foi quando quase tropeçou em um brutamonte
caído no chão.
-Mas o que você está fazendo aqui Sun!
O rei estava caído no chão. Perto dele havia vômito
e uma taça que derramava vinho. Lua já imaginava o que havia acontecido e não
era a primeira vez, já imaginava isso. Como havia previsto antes, o Ser de
Poder havia se embriagado mais uma vez. Ela não gostava de quando ele se
embriagava daquela forma. Por um momento parou e ficou olhando o homem e passou
a conversar consigo mesma. Aquela não era mais apenas a visão de um homem
bêbado, representava muito mais.
“Ele bem que
poderia considerar como eu ficaria em relação a isso. Eu não consigo, mas mesmo
quando ele não está bêbado, é assim que eu o vejo: um indivíduo sem pudor. Eu
bem que queria ter uma vida feliz com ele. Sei que tenho que me acostumar com
algumas das características da pessoa que eu amo. Mas eu não consigo. Amo-o
realmente? Eu também tenho minhas particularidades que devo respeitar antes de
tudo. Se ele quer manter uma relação comigo, tem que aprender respeitá-las
também. Um homem bêbado caído no chão: é com isso que quero continuar casada?
Poderei eu amá-lo a ponto de perdoar suas bebedeiras? Não sei por que ele
começou a beber tanto. Antes ele apenas bebia ‘socialmente’. Tenho que por um
fim nisso. Conversaremos sobre isso quando ele acordar”.
Uma lágrima escorreu do rosto da rainha
enquanto ela chamava alguns empregados para levar o moribundo para seus
aposentos reais, onde dormiria por dois dias. Os seres mágicos ficavam muito
tempo sem dormir: utilizavam mágica para repor suas energias. Estes precisavam
ficar acordados para manter suas atividades em regularidade. Mas Sol precisava
dormir sempre devido às bebedeiras que lhe gastavam as energias. Ela era uma
pessoa muito emocional e gostava de refletir consigo mesma sempre, exatamente
como fazia agora.
“Não é
apenas para manter a aparência. Não quero apenas fingir uma relação feliz.
Quero ser respeitada. Sei que tenho meus defeitos. Mesmo sendo uma divindade,
tenho emoções, afinal, quando você possui um coração – no sentido dos
sentimentos – todos os sentimentos passam a conviver com você. Não consigo
fingir, mas não posso quebrar o coração do Sol, pois ele ficaria muito furioso:
não quero começar uma guerra mágica agora. Posso até simular para ele, mas não
consigo mentir para mim.
Além do
mais, ele tem que ser responsável. Tem que manter seus compromissos com a humanidade
e suas atitudes não estão correspondentes a seu cargo mágico”.
O rei foi levado ao quarto em uma maca pelos
seus servos. A rainha se locomoveu até o salão principal. Não encontrou
ninguém. Onde estariam os simples que se chamam de nobres? Já teriam se
recolhido? Lua encontrou Darwin descendo as escadarias.
Darwin descia as escadas. Ele havia ajudado a
despir o rei para que pudesse deitar-se e repousar de sua embriaguez. Darwin
era um homem muito elegante, era o humano mais próximo do rei. Este era um
filho de nobres de outros reinos que, ouvindo falar das riquezas do reino do
Sol, resolveu entrar para sua cavalaria, passando pelos testes apropriados e
trazendo consigo uma carta oficial, comprovando ser um ilustre sangue azul.
Além disso, ele tinha segredos que escondia de sua família e queria estar longe
quando resolvesse revela-los. E seus segredos estavam para serem revelados.
Esperaria a hora certa.
-Darwin, olá! Você tem notícia dos convidados?
- Olá, minha rainha. – Ele tinha um olhar
malévolo e muito desconfiado em relação a tudo. - Eles estão em seus aposentos.
Irão embora após o almoço de amanhã. – O
cavaleiro respondeu gentilmente.
- Muito obrigado pela informação. – E
continuou a subir as escadas quando ouviu o homem arguindo-a.
- A propósito, reparei que a senhora não
estava presente no fim do encontro de hoje. – A discrição de Lua foi quebrada.
-Eu tive que sair para ver uma amiga doente. –
Lua estava nervosa.
- Que amiga? – Ele continuava questionando-a,
na tentativa de desvendar aquela aparente mentira.
- Uma amiga que, você com certeza não conhece.
Oras, estou cansada – estava percebendo um tom muito irônico na voz do rapaz-,
vou me retirar. Até mais Darwin.
- Tenha um bom descanso rainha. Eu já despi o
rei, ele não estava nas condições de fazer isso sozinho.
A rainha ouviu e tornou a ascender às escadas.
Mas que servo mais insubordinado. Questionava a sua própria rainha como se ela
estivesse escondendo algo, e na verdade estava. Mais do que uma simples
cavalgada, escondia dentro de si sua própria infelicidade. Naquela noite, Luna
passaria todo o tempo em sua banheira com água quente, já preparada por sua
serva e amiga Linetty.
Entrou no seu quarto e viu Sol esticado em sua
cama gigante, expondo seus glúteos lisos. Darwin podia ao menos tê-lo coberto.
Não se sentia confortável com a atitude do cavaleiro de despir Sol, mesmo sendo
homens. Ele estava realmente bêbado e seu bafo de álcool incomodava a linda
mulher. Tirou seu vestido escuro, acendeu algumas velas aromáticas para aliviar
o fedor de seu marido e se dirigiu ao banheiro da suíte real.
A noite chegou e agora Lua estava sentindo
suas energias gastas durante o dia sendo reativadas. Era durante o período
noturno que ela se tornava mais forte e sua mágica passava a fluir melhor em
suas veias. Afundou-se na banheira e começou a meditar sobre seu encontro com o
homem dos mares e esboçou um sorriso. Aquele Ser de Poder era muito simpático e
agradável de conversar. Lua imaginava que podia ter feito amizade com Mar muito
antes. Apesar de ser muito carismática e gentil com todos, ela não tinha muitos
amigos mágicos: preferia a companhia das estrelas, suas fadas.
Lua submergiu-se na banheira e lá ficara. Seu
corpo era lindíssimo e macio, cada curva delicadamente desenhada pelos deuses. Seus dedos do pé, muito delicados afloravam na superfície líquida da banheira, cobertos de espumas. Ela estava excitada e começava a se
acariciar o próprio corpo, como que apreciando cada relevo de seu corpo feminino. Passava os dedos finos da mão direita em seus mamilos,
deixando-os rígidos. Em alguns momentos deixava escapar gemidos baixos, como que um gato noturno a espreita de diversão. Com a
outra mão atritava suas partes sexuais. Pensava na figura
de um homem muito atraente e másculo, Mar. Em êxtase e, totalmente submersa na enorme
banheira, passava a mão pelo pescoço e na nuca enquanto acariciava-se em busca de prazer .
Finalmente um último gemido a trouxe ao êxtase.
Não estava totalmente satisfeita, queria uma
pessoa de verdade ali. Com os olhos fechados lembrava-se de quando fora
“resgatada” por Mar, que pensou que ela era uma mulher afogando-se no lago. Em
sua tela mental conseguia se lembrar daquele homem nu, com o corpo totalmente sem
pelos, praticamente um deus grego. Recordava-se das conversas que tiveram.
Estava usando em seu pescoço o colar com o pingente de concha que ganhara de
presente do príncipe das águas. Queria reencontrar aquele Ser de Poder e
perpetuar aquela amizade, mas não tinha certeza de que Sol iria aprovar. Após o
pequeno momento de nostalgia, entristecera-se. No quarto havia um homem bêbado
e violento, que não tinha certeza se amava realmente. Logo a banheira estava
cheia de pérolas.
Suas energias estavam revigoradas pela sua
magia noturna, mas mesmo assim queria dormir. Era no sono que se esquecia por
um breve momento de suas preocupações e aflições. Não saiu da banheira para
dormir. Ali mesmo dormiu, debaixo da água, sem precisar respirar. Seu cabelo
agora flutuava na água, sobre sua cabeça. Abriu os olhos e notou a janela
aberta. Pôde ver a lua lá fora, que distribuía para dentro do cômodo sua luz
prateada, banhando a mulher com pulsos de energia mágica. Fechou os olhos e dormiu.
Imagem representando Luna
Dayvid Fernandes - O Autor
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