No Reino da Lua, a
recém-casada estava meditando em seu enorme jardim. O lugar todo arborizado
possuía um gramado verdíssimo. Possuía muitas flores, principalmente nos tons
de branco, azul e lilás, suas cores preferidas. No jardim havia várias estátuas
de cristal, mesmo material de que seu castelo era construído. As estátuas
representavam a própria lua como deusa em diversas religiões pagãs, como a
Wicca, religiões egípcias e as Tradições Célticas. Em algumas religiões, a
deusa da lua possuía três faces: a donzela, a deusa mãe e a anciã. Outras
estátuas também se espalhavam pelo jardim florido.
Lua estava sentada na posição de lótus
enquanto meditava. Seus olhos estavam fechados e com as mãos em posição de
meditação sobre seu colo. Vestia um vestido curto que mostrava suas pernas
lisas, longas e brancas. A grama servia-lhe como tapete. Ela meditava sobre si,
sobre quem era e sobre tudo o que estava acontecendo em sua vida conjugal. Em
sua mente passavam imagens sobre sua história.
Lua, Sol e todos os outros seres de Poder
surgiram com o surgimento do Mundo dos Simples. São os provedores da vida na
Terra. Ela pensava em como amava os humanos e dos primórdios destes. Os humanos
não eram os únicos a terem sentimentos de amor, paixão e desejo, estes eram
sentimentos que existiam em todo o lugar. Estes sentimentos também eram
essenciais à vida. Tudo que existia estava ligado pelo amor, como uma força
magnética que mantém a existência da matéria.
A história entre Lua e Sol era antiga. Ela achava
que amava aquele Ser de Poder, ao menos, queria amar. Às vezes não conseguir, o
amor havia se esfriado entre eles, talvez só fosse paixão.
“Eu sempre
quis ter alguém para abraçar e me chamar de ‘amor’, de ‘minha querida’. Já me
relacionei com algumas pessoas, mas nenhuma delas me preenchia totalmente. Já
fui beijada por lábios que não me amavam e por lábios que eu quis amar, mas que
não me amaram. Já me apaixonei por humanos, mas me afastei, não queria trazer
complicações para eles, nem para mim, não somos permitidos a nos casar com
humanos. O Sol parece me amar. Acho que ele me ama. Entretanto, ele não é tudo
que eu quero, há momentos que eu simplesmente não consigo olhar para ele e me
entregar totalmente. Sua brutalidade às vezes machuca meu coração e me
entristece. Sei que é o jeito dele, mas eu não consigo me acostumar a isso,
pensei que eu era mais maleável. Sem contar que ele é muito bruto, ao contrário
do que representaram através do deus Apolo, na Mitologia Grega. Eu amo os
Simples, mas ele simplesmente esqueceu-se da nossa missão quanto ajudadores destes.
Odeio como ele maltrata os subordinados de seu reino e foi isso que mais me
impulsionou a me encarnar como camponesa, mesmo me relacionando com o rei.
Agora, me tornando uma rainha com origens na plebe, eu posso interferir mais
naquele reinado e dar melhores condições de vida para aqueles humanos. Mas
minha missão é maior ainda, quero ajudar a humanidade toda, ainda bem que os
Seres de Poder são muitos.
Quanto ao
meu relacionamento com Sol: ele esta me desgastando. O brilho da lua já
diminuiu um pouco e o rendimento das plantações já não tem sido o mesmo. Os
outros Seres de Poder em breve perceberão isso. Preciso dar um jeito neste
relacionamento.
Tenho andado
infeliz e sem querer, às vezes, meus olhos tem se desviado do Sol. Ele já não
me atrai como antes. Já não sinto a mesma excitação que sentia ao fazer amor
com ele. Ele é forte e alto e qualquer mulher se sentiria atraída, mas sexo não
é a única coisa que move um relacionamento. Eu quero carinho, eu quero receber
flores de manhã com um cartão romântico. Eu quero ser amada e quer dar todo o
meu amor a quem o mereça. Quero ouvir palavras de amor e quero ser venerada
pelo meu amado, quero me sentir necessária e insubstituível. Quero um amor que
seja oferecido com delicadeza.
Uma vez, vi Sol
chicoteando um de seus subalternos que havia quebrado, sem querer, um prato de
porcelana vindo do Oriente. Aquela foi nossa primeira grande briga. Houve um
eclipse solar por dois dias! Eu quase que me desvinculei totalmente do Sol! Ele
estava maluco e simplesmente não entendi por que ele estava agindo daquela
forma. Foi quando a soberania e a soberba lhe subiram à cabeça.
Daquele dia
em diante, nosso relacionamento esfriou. Tenho me calado mais. Nos últimos anos
ele tem mudado um pouco, principalmente depois de eu ter aparecido naquela
aldeia e me abrigado na casa de uma senhora muito gentil. Disse-lhe que vinha
refugiada de uma guerra no reino vizinho.
Há cinco
anos estou no reino terreno do Sol. Nem todos os Seres de Poder são reis ou
príncipes na Terra. Sol quis ser: penso que é uma injustiça. Apesar de ainda
ser um bruto, tenho lutado para manter meu amor por Sol, ele tem mudado muito
pouco eu sei, mas eu realmente odeio as crises de soberba que ele tem.
Por várias
vezes eu pensei em terminar meu relacionamento com ele. Agora estou pensando
nisso. Acabamos de nos casar, seria muito estranho. Se eu disser a ele que não
quero mais me o seu suposto amor, ele simplesmente vai enlouquecer, vai destruir
tudo o que houver pela frente e provavelmente vai chamar seu primo, o Incêndio,
para destruir tudo que ver na frente na Terra. Ele será punido pela S.M.S., mas
mesmo assim não hesitará em iniciar uma guerra na Terra apenas para matar a
maior quantidade de seres-humanos que puder, mesmo que eles não tenham nada a
ver com isso.
Por amor aos
humanos eu tenho que tentar manter este relacionamento. Mas até quando?“.
Lua estava chorando enquanto meditava. De seus
olhos escorriam lágrimas prateadas que ao cair no chão se tornavam pérolas
brilhantes. Apesar de serem resultado da tristeza da Lua, as pérolas de suas
lágrimas tinham o poder de trazer a felicidade e a sorte para quem às
possuísse. Estas joias eram espalhadas pelo Mundo dos Simples, inclusive dentro
do mar, onde eram colocadas dentro de conchas.
-A senhora está bem, Lua? – Uma pequena
fadinha, voando no ar com asas que reluziam faíscas douradas se aproximou da
senhora da noite.
Lua estava meditando e não gostava de ser
interrompida. Para não deixar a pequena fadinha da lua falando sozinha, com os
olhos molhados e ainda fechados, esboçou um pequeno sorriso que logo foi
entendido pela feérica. A fadinha voltou para o meio das árvores do jardim e se
juntou a outros pontos de luz que se dirigiam ao mundo dos humanos, onde a
noite reinava.
Lua estava flutuando no meio do jardim, ainda
na posição de meditação. O que estava acontecendo? Ela estava mexendo os lábios
muito rapidamente. Lua estava emitindo palavras mágicas para a sua meditação.
Estava muito triste, e pretendia converter esta tristeza em bem, bem para si e
bem para os humanos, principalmente.
“Céu lilás
que habita sobre nós, Seres de Poder, clamo agora pelos poderes da Grande Mãe,
que nos concebeu a vida! Que esta tristeza que agora me abate, seja convertida
em benefícios para os meus amados, os humanos! Pelos poder dos três vezes, que
assim seja, que assim seja e que assim seja!”
Lua estendeu os braços para os lados e como
que um enorme peão começou a rodopiar em torno de seu próprio eixo. De si saia
uma luz prateada que pôde ser vista em todo o Mundo Mágico: todos já sabiam que
era algum Ritual da Lua. Era noite de lua cheia. Na Terra, o que se acreditava
ser uma chuva de meteoritos começava: eram Pérolas da Lua que choviam sobre os
quatro cantos do mundo. Pessoas esperançosas e necessitadas seriam abençoadas,
a humanidade toda seria beneficiada. As noites de lua cheia eram sempre
mágicas!
Ao terminar seu ritual, Lua se dirigiu para
seus aposentos. Ela não estava mais chorando. Lua sorria, era um dos mais belos
sorrisos. Ela sabia que, mesmo quando estava triste, conseguia se alegrar ao
propiciar alegria para os seus amados humanos. Este era o verdadeiro sorriso,
aquele que se mostra mesmo nos momentos de tristeza, quando temos o prazer em
ajudar alguém.
Entrou em seu quarto e na sua banheira de
cristal, havia água morna com muita espuma, previamente preparada por uma de
suas fadas ajudantes. Despia-se lentamente enquanto observava a tatuagem de uma
triluna que havia em sua virilha, sem sinal de pelos. Entrara na água
delicadamente. O seu banheiro de banhos não era muito grande e era muito
iluminado, mas Lua gostava de ficar no escuro às vezes. Com um estalar de dedos
o banheiro ficou escuro e dezenas de velas de incenso se acenderam no local.
Lua estava sozinha mais uma vez em seu castelo, adorava estes momentos.
É melhor só
do que mal acompanhada.
Aquele havia sido um dia estressante para ela.
Primeiramente na Terra, nos preparativos para a cerimônia de casamento. Depois,
recepção dos convidados na festa. Havia suportado as insinuações de Flora em
cima de Sol e depois, na que deveria ser a noite de núpcias, uma discussão com
seu marido que a deixara muito brava e magoada, novamente.
Agora, o que queria era descansar um pouco na
sua banheira de água morna com sais e óleos de banho. Estava cansada das
palavras piegas de Sol depois de suas grosserias. Estava se cansando daquele
brutamonte. Não acreditava como conseguira se apaixonar por ele.
Ouviu um “toc-toc” na porta de seu banheiro de
banho. Quem seria? Lua vestiu seu roupão branco de banho e olhou na direção da
porta de cristal, mas que era totalmente translucida. Pelo vulto que enxergava,
já podia imaginar de quem se tratava. Estalou os dedos novamente e o lugar se
iluminou magicamente e a porta se abriu.
- O que você quer Sol? – Ela encarava o seu
esposo com uma voz forte, mas serena, totalmente educada.
- Eu vim te pedir desculpas pela maneira como
falei com você e pelo que falei. Eu prometo que vou...
- Chega de promessas Sol! Você sempre promete
que vai mudar e nunca! – Lua agora parecia muito chateada e quase que começara
a chorar, mas se conteve. Ela era forte e às vezes um pouco orgulhosa, ninguém é
perfeito, nem a Lua!
- Mas dessa vez é diferente, agora estamos
casados perante os humanos, terei que ser bom para eles como te prometi.
-Você não vai mudar Sol. Não sei como e nem
porque você se tornou assim. – A dama da lua estava indignada.
- Eu me sinto inferior... É isso! – Sol se
sentou em uma cadeira de cristal com estofado branco.
-Como assim? – Ela realmente não entendia do
que Sol estava falando.
- Nos tempos antigos eu era venerado pelos
simples. Eu era o deus Sol, eu era Apolo. Eu era adorado no Egito, na Grécia,
na Roma e até entre os mais rupestres dos homens. Mas agora, com o crescimento
do Cristianismo, meus adoradores foram exterminados e eu preciso me mostrar
superior de alguma forma! – Agora ele estava de pé olhando através da enorme
janela.
- Nós não somos deuses Sol! Não precisamos nos
sentir superior a nada e a ninguém! Uma simples formiga é muitíssimo importante
até para a vida de um humano! Desde que a humanidade surgiu, sempre estivemos
aqui para ajudar nossos companheiros, os humanos, e não para sermos deuses!
- Mas eles adoravam nossas figuras e nossos
benefícios a eles, até você era adorada! – Sol falava com a voz mansa.
- Eu sei que eu também era louvada pelos
Simples, mas nunca me vangloriei por isso. Não nascemos para sermos adorados,
nós viemos para ajudá-los. Acontece que em sua simplicidade, os humanos passaram
a nos idolatrar, mas isso não deve ser levado a sério por nós. Você bem sabe
disso!
-Eu sei! Mas acabei me confundindo com isso e
pensei realmente que deveria ser um deus. Desculpe-me, vou mudar minha mente!
-Assim espero. -Lua retirava sua roupa e adentrava
novamente em sua banheira, juntamente com Sol, que a abraçou. Ela ainda estava
ressentida, mas não podia manda-lo embora. A água esquentou um pouco mais assim
que Sol entrou na banheira de cristal.
Lua ainda estava muito magoada, mas não podia
terminar com Sol e vê-lo destruindo várias vidas inocentes.
Dayvid Fernandes - O Autor
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